sexta-feira, 13 de maio de 2016


DA SUPERVISÃO PEDAGÓGICA À AVALIAÇÃO DE PROFESSORES
Odília Gontardo Freitas

RESUMO:
Neste trabalho aborda-se a problemática da Supervisão Pedagógica e a sua articulação com o complexo processo da Avaliação do Desempenho Docente. Podemos dizer que a nossa conclusão vai no sentido de que as várias tentativas de implementação da ADD no nosso país não tiveram eficácia devido à conjugação de vários fatores, destacando-se o facto de se ter separado a avaliação dos professores da auto-avaliação da Escola como um todo e do ciclo da Supervisão Pedagógica. Como não temos uma tradição de cultura avaliativa, estes conceitos, relativamente recentes, não surtiram o efeito desejado também por ter falhado uma formação atempada e devidamente acautelada de todos os agentes.
PALAVRAS-CHAVE: Supervisão Pedagógica, Avaliação, Liderança, Desempenho Docente.

INTRODUÇÃO
Numa primeira parte desta síntese tentaremos apresentar os principais aspetos inerentes ao paradigma emergente da Supervisão Pedagógica, que consideramos a base a partir da qual a Escola deve organizar-se. Depois clarificamos o conceito de avaliação apresentando as várias gerações avaliativas, de modo a que, pela sua diacronia, nos apropriemos de uma correta conceção do que é avaliar no século XXI. No terceiro capítulo sublinharemos a importância das lideranças na eficácia da ADD.
A análise dos suportes jurídicos do atual modelo de ADD esteve sempre presente e serve de base à nossa reflexão.  A nossa conclusão pretende estabelecer a ponte entre a Supervisão Pedagógica e a Avaliação do Desempenho Docente, tentando perceber as fragilidades de todo o processo, o porquê da sua fraca eficácia até hoje e ousando mesmo aventar perspetivas futuras.
1.      DA SUPERVISÃO À SUPERVISÃO PEDAGÓGICA
Nas Sociedades atuais, caracterizadas pela evolução acelerada e confrontadas com a excessiva especialização, já não é possível, em qualquer ramo do saber, um só indivíduo dominar o conhecimento. Por outro lado, a interação teoria/prática torna-se cada vez mais difícil, pois, se, por um lado, a pós-modernidade valoriza o saber-fazer, também reconhece que sem uma boa base teórica não poderemos progredir. Pensamos que é neste contexto que a Supervisão se torna cada vez mais urgente e premente. Mas o que é afinal a Supervisão?
 Sem nos restringirmos ao Ensino propriamente dito, podemos dizer que a Supervisão é um processo através do qual alguém com mais experiência e mais informação orienta alguém que se encontra num patamar menos maduro, tanto em termos profissionais como pessoais. Assim, aplica-se a todas as profissões. Porém, se se entender que a Educação é um processo de formação que decorre ao longo de toda a vida, então podemos dizer que a Supervisão é algo inerente à Educação.
Se o conceito de Supervisão não é tão novo assim, convém clarificar que hoje está a emergir um novo paradigma no sentido da orientação e não da repressão, o que se prende também com o conceito de avaliação, o qual assume cada vez mais uma índole formativa e formadora, numa escola que se quer reflexiva e sempre aberta à comunidade e onde a questão dos valores tem também um papel determinante, funcionando o Supervisor como uma espécie de «líder de comunidades aprendentes» (Alarcão e Tavares, 2003). A Supervisão assim encarada, a Supervisão Pedagógica (SP), desenrola-se em três níveis: o do supervisor, o do formando e o do aluno, mas, para que seja adequada e eficaz, deve funcionar de um modo ecológico e interativo, correspondendo a um ciclo, cujas fases não são estanques. No entanto, por motivos de sistematização, é usual adotar a divisão tripartida do multifacetado processo de Supervisão Pedagógica: observação, orientação e avaliação.
A fase da observação corresponde ao primeiro grande momento e tem como objetivo a recolha de dados para depois interpretar. Mas aqui surgem logo várias questões de caráter epistemológico. Se a ciência em geral já há algum tempo perdeu a ilusão da objetividade, as ciências humanas e sociais, tendo como objeto o Homem em sociedade, sempre tiveram consciência da sua subjetividade e assumem-na. É extremamente importante munir-se de instrumentos de observação adequados e eficazes. Queremos efetuar uma observação apenas quantitativa ou vamos privilegiar a vertente qualitativa? Vamos olhar essencialmente para aquilo que se repete com o objetivo de elaborar séries, ou vamos também dar atenção ao peculiar? Vamos usar o método indutivo ou vamos efetuar um percurso dedutivo? Vamos usar os meios audiovisuais? E estamos cientes de que podem inibir os atores? Queremos uma observação muito ou pouco estruturada? Direta ou indireta? Somos sensíveis à diversidade de formatos de instrumentos que podem auxiliar-nos nesta tarefa de recolha de dados? A observação direta, por exemplo, abarca uma panóplia de meios como descrições diárias, respostas de incidentes curtos, registo contínuo, amostragem temporal, amostragem de acontecimentos, listas de verificação ou de controlo e escalas de estimação. É preciso tomar decisões ao longo de todo o processo de observação.
O que se vai observar? Quando? Como? Observar é muito mais que ver, é percecionar e este ato é um processo mental complexo que envolve valores. Observar «É um ver focalizado, intencional e armado pela teoria. Observa-se para se conhecer e olha-se ou vê-se sem propósito ou atenção especial» (Trindade, 2007). O observador organiza subjetivamente as suas perceções de acordo com as suas referências teóricas, com a sua própria história de vida. Ele tem que se colocar numa atitude colaborativa, deixando bem clara a sua conceção de SP e não permitindo que atuem barreiras de comunicação, tais como: Máscaras (falta de autenticidade das partes envolvidas), Divagações (inibidores da capacidade de atenção e/ou antecipação ao que se acha que o outro vai dizer) e Filtros (valores e gostos pessoais que minem a captação). A observação de aulas apresenta, segundo Rosales (1992), algumas debilidades que podem induzir em erros de avaliação, como sejam, o efeito exercido sobre o supervisionado, pelo facto de se sentir observado; o caráter limitado no tempo de observação, a partir do qual se fazem generalizações; a existência de possíveis desvios de observação por parte do observador e o facto de não se tomar em consideração aspetos não observados, subjacentes à conduta do professor na aula.
O supervisor pedagógico ao lidar com um grupo de supervisionados tem que ser capaz de lidar com todas estas variáveis, sem preconceitos nem modelos estáticos, elaborando uma estratégia global de observação que responda aos objetivos gerais e específicos traçados. Todas as perspetivas são úteis e podem enriquecer a observação. Para que o observador seja capaz de minimizar os obstáculos e reúna critérios de credibilidade, validade, fidelidade e alguma objetividade tem que ter formação, pois a perceção também se educa e tem que treinar competências de observação, o que implica uma atitude investigativa e de constante adaptação a cada situação concreta e em cada fase concreta, articulando teoria(s) e prática(s), criando permanentemente novas ferramentas e antecipando situações, numa atitude investigativa.
A orientação é um dos momentos da SP com enfoque no desenvolvimento profissional e é quando a ética é posta à prova, pois o desempenho profissional nunca deve ser desligado do desenvolvimento pessoal e social e, em educação, essa interdependência é a base de toda a relação pedagógica. Segundo Rosales (1992), «Perfila-se um novo papel para o supervisor das práticas docentes do futuro professor, considerando-o como um profissional (formador de formadores) altamente preparado, tanto na dimensão científico-pedagógica teórico-prática como também no âmbito das relações humanas. O supervisor deverá ser capaz de estimular a capacidade de reflexão do professor em formação sobre diversas dimensões do ensino, sobre a sua própria atuação profissional, sobre os processos mentais e a repercussão que possam ter na atividade prática e sobre a influência do contexto na atividade didática». Todos os cenários são possíveis desde que o engenho e a arte do supervisor pedagógico permitam uma espécie de paradigma integrador inspirado nos modelos desenvolvimental-reflexivos, especialmente na abordagem de Glickman. Assim, a ADD deve ter um caráter essencialmente formativo, pois a sua vertente classificativa empobrece o processo, correndo o risco de se tornar um fim em si, despertar competição e provocar efeitos colaterais, como tem acontecido.
2.      A AVALIAÇÃO COMO INTERAÇÃO COMPLEXA
A avaliação é um conceito polissémico e multirreferencial que está presente em qualquer esfera da atividade humana e, em educação, especialmente. Cada época tem pedido à escola papéis diferentes e, por inerência, a avaliação tem passado por várias fases. A primeira geração avaliativa acreditava na medida exata e nem questionava o papel do avaliador ou a possibilidade de erro; a segunda geração fascinou-se com o traçar de objetivos e, apesar de já admitir uma componente formativa, no final, ainda pretender selecionar e hierarquizar, medindo a diferença entre os objetivos traçados e os resultados; a terceira geração avança no sentido de valorizar os contextos, mas avaliar continua a ser julgar. Só muito recentemente, a chamada quarta geração avaliativa trouxe para a ribalta a preocupação com o relacional, o contexto, a intencionalidade recíproca, a pluralidade de abordagens, a adequação, a eficácia, sendo a avaliação uma ação feita por pessoas para pessoas, envolvendo todos os parceiros, vendo-a como um processo socialmente construído que condiciona a vida de todos os envolvidos.
Se esta conceção ainda não triunfou em Portugal na nossa relação professor-aluno, como poderia já estar a dar frutos entre docentes? Um professor não é também resultado das suas experiências enquanto aluno? Saberá colocar-se na perspetiva do colega que avalia?
A avaliação tem múltiplas finalidades, não só sociais e pedagógicas, como políticas e está demonstrado que o modo como cada docente a perceciona interfere significativamente nas suas práticas. Normalmente, a avaliação de docentes tem três propósitos: o desenvolvimento profissional, o desenvolvimento organizacional e a prestação de contas com vista à progressão na carreira, o que tem sido, erradamente, enfatizado, tanto pelos poderes políticos como pelos media. É necessário promover formação no sentido da interiorização de uma verdadeira cultura avaliativa que conduza a uma autêntica mudança de mentalidades e que a avaliação assuma a sua vertente mais rica que é a avaliação formativa. Mas nesta fase de transição, como lidar com o modelo de ADD que temos? Sabemos que a nossa legislação junta no mesmo processo vertentes inconciliáveis e atribui à mesma pessoa a tarefa de avaliar e de classificar colegas. Como superar este constrangimento?
3.      A IMPORTÂNCIA DAS LIDERANÇAS
Pensamos que a solução está numa boa e esclarecida liderança. Mas o que é um bom líder? O que significa liderar com eficácia e eficiência? Como poderemos transformar os avaliadores (interno e externo) em autênticos líderes? 
Liderar significa conduzir e saber apagar-se gradualmente, dando significado ao trabalho e criando condições para o crescimento conjunto, gerando intuitivamente um sentimento de pertença.
 Assim, todos os diretores de escola são líderes? 
Formal e legalmente são, mas nem sempre se comportam como tal. A liderança partilhada exige que se reconheça as lideranças intermédias e que se trabalhe colaborativamente, escolhendo a dedo cada pessoa adequada a cada cargo e estimulando a criatividade. Os nossos líderes ainda estão muito agarrados ao paradigma burocrático-administrativo e nem sempre ousam inovar. Não só não valorizam os professores mais dinâmicos, como até os desvalorizam, considerando-os atrapalhos. Mudar implica passar por fases experimentalistas que no curto prazo não trazem resultados e a pressão do resultado imediato tem inquinado o processo de implementação de projetos de SP.
Mais importante do que o perfil do líder é a sua postura, a sua liderança e esta deve ser democrática e motivacional com intuitos de transformar, onde as motivações intrínsecas devem predominar e ser valorizadas. No entanto, como refere Ricardo (2014) «todos os estilos de liderança podem ser úteis e eficazes dependendo de toda uma conjuntura e de certas particularidades (…) proporcionando a todos, num percurso sustentável, um maior desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional.»
CONCLUSÃO
A avaliação provoca sempre tensões, mas a nossa cultura avaliativa (ou a falta dela!) tem revelado uma contradição entre a aceitação da avaliação dos alunos (independentemente do paradigma em causa) e a resistência à avaliação do sistema, da escola e dos docentes, não passando esta, muitas vezes, de uma mera declaração de intenções. As mudanças precisam de tempo e devem ser negociadas, não podem ser só mudanças legisladas, como até agora. A investigação em ciências da educação tem demonstrado que a capacidade para a docência evolui ao longo da vida dos professores, em função de uma multiplicidade de fatores, em que se entrelaçam elementos da sua vida pessoal e profissional. A eficácia pedagógica e a qualidade do ensino dependem cada vez mais do estabelecimento de redes de aprendizagem, a partir da própria escola como centro de investigação, onde o trabalho grupal e coletivo é imprescindível, tendo a Supervisão Pedagógica um papel fundamental. Apesar das exigências legislativas, no terreno ainda se ignora o perfil do supervisor pedagógico, designando-se coordenadores em função da idade, talvez por medo da mudança e pela pressão de resultados imediatos, o que em educação não é possível.
Pensamos que a dissociação da ADD como se fosse algo que vale por si e não como parte de um processo de auto-avaliação da própria escola ditou a situação a que chegámos. Por outro lado, a inexistência de um pacto de regime e a constante sujeição da pasta da educação a ditames político-partidários tem provocado uma instabilidade que não ajuda nada na urgente mudança de mentalidades. A formação atempada e sólida tem falhado e tem sido dirigida para fins pragmáticos e imediatistas.
No entanto, é nossa convicção que seremos capazes de aprender com os erros e conseguiremos ultrapassar os constrangimentos, até porque está a chegar às escolas uma geração bem preparada em termos teóricos. Falta apenas convencer a geração mais velha a trabalhar colaborativamente, implementando uma supervisão horizontal e fazer pequenas adaptações legislativas no sentido de facilitar a liderança dos mais novos em vez de bloquear a sua participação. Uma ADD eficaz tem que ser aberta, justa, global, inclusiva, benéfica para todas as partes, eficaz e praticável. Deve ser solução e não parte do problema. Deve contribuir para a qualidade e não gerar conflitos estéreis.

BIBLIOGRAFIA
                Alarcão, I e Tavares, J (2003). Supervisão da Prática Pedagógica – Uma perspetiva de Desenvolvimento e Aprendizagem. Coimbra: Livraria Almedina.
Clímaco, Maria do Carmo 2005). Avaliação de Sistemas em Educação. Lisboa: Universidade Aberta.
Fernandes, Domingos (2006). Para uma Teoria da Avaliação Formativa. Revista Portuguesa de Educação, 19 (2), pp. 21-50. Braga: CIEd – Universidade do Minho.
Ferreira, Carlos Alberto (2007). A Avaliação no Quotidiano da Sala de Aula. Porto: Porto Editora.
Oliveira- Formosinho, J. (org.) (2002). A Supervisão na Formação de Professores II – da organização à pessoa. Porto: Porto Editora.
Ramos, Conceição Castro (2007). A Importância da Avaliação do Desempenho de Professores. Atas da Conferência Internacional Avaliação de Professores. Visões e Realidades. Lisboa, maio de 2007. http://www.ccap.min-edu.pt/docs/Actas_Conf_Aval_Prof-2007.pdf - consultado no dia 24 de abril de 2016.
Ricardo, Luís (2014). O Líder e a Liderança. Lisboa: Chiado Editora.
Ricardo, Luís (2015). Os Líderes Intermédios da Escola no Papel de Avaliadores do Desempenho Docente (no Prelo).
Rosales, Carlos (1992). Avaliar é Refletir sobre o Ensino. Rio Tinto: Edições ASA.
Santos, Leonor (2008). Dilemas e Desafios da Avaliação Reguladora. Viseu: Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação.http://www.esev.ipv.pt/mat1ciclo/avaliacao_files/MA_livro_Aval..pdf - consultado no dia 6 de fevereiro de 2016.

Trindade, Vítor Manuel (2007). Práticas de Formação: Métodos e Técnicas de Observação, Orientação e Avaliação (em Supervisão). Lisboa: Universidade Aberta.

1 comentário:

  1. Belíssima síntese! Espero que esteja em situação de liderança, como seria lógico, de modo a ser uma influencer, como o velho sistema precisa! Qualquer gestor qualificado saberia quem recrutar, mas já nem digo nada!

    ResponderEliminar