A GREVE DOS PROFESSORES, O SENHOR DOS PASSOS E O
GRÃO-DE-BICO
Sinto vergonha pelo modo como a
minha classe tem sido tratada, tanto pelos governantes, como pela comunicação
social e, sobretudo, pelos sindicatos, instituições que, supostamente, deviam
defender a nossa imagem!
Mas sinto também vergonha pela
hipocrisia de colegas que vêm a terreiro dizer baboseiras que toda a gente sabe
ser mentira. Refiro-me, por exemplo à ideia de que os conselhos de turma são e
sempre foram um momento de debate pedagógico, onde a avaliação é altamente
ponderada por todos e onde o professor de cada disciplina tem um papel
preponderante!
Quem está por fora pode até achar
que sim e, portanto, admito que o incentivo lançado para que os pais protestem,
faça sentido.
A verdade, porém, é que os
conselhos de avaliação tornaram-se, há algum tempo, um espaço meramente
burocrático, onde, quem ousar colocar questões pedagógicas é visto como aquele
que empata reuniões e mandado calar! Sim, as notas são colocadas numa
plataforma, ainda antes de os alunos entrarem de férias e aconselha-se que a
chamada auto-avaliação culmine na informação dada ao aluno sobre a nota
concreta que será atribuída. E alguns até chamam a este processo hetero-avaliação!
Também sobre aquela ideia de que
o docente da disciplina é importante e deve estar na reunião, porque só ele
sabe e pode fornecer dados concretos para o conselho tomar decisões
fundamentadas, vou só contar um dos vários episódios caricatos que aconteceram
mesmo (não, não é anedota!).
Uma Encarregada de Educação
recorreu da nota atribuída à sua educanda numa determinada disciplina, fazendo
as suas alegações direcionadas só para aquela disciplina. Repetiu-se o conselho
de turma, o tal que é muito pedagógico! E o que aconteceu? O docente da
disciplina em causa apresentou-se sem a caderneta e sem quaisquer elementos de
avaliação, mesmo sabendo o que estava em causa. Como naquele conselho só uma
docente trazia a caderneta, decidiu-se que se subia a nota daquela disciplina e
pronto, caso arrumado! Nem estando presente um professor de moral, nem os
protestos da colega…nada foi suficiente para o conselho se assumir na sua
verdadeira vertente!
Por acaso, a mãe da aluna até nem
era daquelas que por aí abundam ainda e não aceitou a decisão, pois o que
pretendia era corrigir o que achava ser injusto e não que a filha passasse de
ano a qualquer custo!
Repetiu-se a reunião e já nem sei
qual o desfecho, nem me interessa isso agora!
Voltando à greve, que sindicatos
são estes que, após estas duas semanas de massacre (tenho 3 turmas ainda sem
avaliação e já fui convocada pelo menos uma dúzia de vezes para cada turma) vêm
agora dizer que talvez haja outras estratégias para chegar aos objetivos? Então
arrastaram a classe para a greve sem antes esgotarem as outras estratégias?! Qual
o papel dos líderes sindicais afinal?
E o mais doloroso é ver os meus
colegas completamente anestesiados e sem se revoltarem contra este sindicalismo
anacrónico! Pelo contrário, gerou-se o maniqueísmo dos bons e dos maus e ai de
quem puser em causa o politicamente correto!
Já recebi, nestes quinze dias,
muitas lições sobre o que é ser solidário, mas esta desta manhã é um mimo.
Dizia-me uma colega de outra escola, onde a direcção optou por suspender as
reuniões e não por efetuar constantemente convocatórias…dizia ela que está
muito solidária com os colegas mais novos, porque não vão chegar ao topo da
carreira como ela (até aqui, tudo bem!) … e que está em casa, mas solidária,
pois está a fazer trabalhos relacionados com a escola!
Em casa, no conforto do lar, mas
solidária!...
Ri-me muito e lembrei-me de uma
anedota que uma tia velhinha contava sobre dois pescadores, aflitos no alto mar,
em perigo de vida…que fizeram eles? Prometeram que, se conseguissem safar-se,
iriam pagar uma promessa – acompanhar a procissão do Senhor dos Passos com um
grão-de-bico no sapato.
Tudo correu bem e no dia da
procissão lá estavam eles.
A meio da procissão, um compadre
sangrava do pé e o outro, caminhava como se nada fosse!
Baixinho, o primeiro, pergunta ao
outro: compadre, como consegue caminhar tão bem?
E mostra-lhe o pé a sagrar…
O compadre responde: sabe, quando
fiz a promessa referia-me a um grão-de-bico cozido!...
E assim vamos nós, classe tão
solidária!...