sexta-feira, 29 de junho de 2018


A GREVE DOS PROFESSORES, O SENHOR DOS PASSOS E O GRÃO-DE-BICO


Sinto vergonha pelo modo como a minha classe tem sido tratada, tanto pelos governantes, como pela comunicação social e, sobretudo, pelos sindicatos, instituições que, supostamente, deviam defender a nossa imagem!
Mas sinto também vergonha pela hipocrisia de colegas que vêm a terreiro dizer baboseiras que toda a gente sabe ser mentira. Refiro-me, por exemplo à ideia de que os conselhos de turma são e sempre foram um momento de debate pedagógico, onde a avaliação é altamente ponderada por todos e onde o professor de cada disciplina tem um papel preponderante!
Quem está por fora pode até achar que sim e, portanto, admito que o incentivo lançado para que os pais protestem, faça sentido.
A verdade, porém, é que os conselhos de avaliação tornaram-se, há algum tempo, um espaço meramente burocrático, onde, quem ousar colocar questões pedagógicas é visto como aquele que empata reuniões e mandado calar! Sim, as notas são colocadas numa plataforma, ainda antes de os alunos entrarem de férias e aconselha-se que a chamada auto-avaliação culmine na informação dada ao aluno sobre a nota concreta que será atribuída. E alguns até chamam a este processo hetero-avaliação!
Também sobre aquela ideia de que o docente da disciplina é importante e deve estar na reunião, porque só ele sabe e pode fornecer dados concretos para o conselho tomar decisões fundamentadas, vou só contar um dos vários episódios caricatos que aconteceram mesmo (não, não é anedota!).
Uma Encarregada de Educação recorreu da nota atribuída à sua educanda numa determinada disciplina, fazendo as suas alegações direcionadas só para aquela disciplina. Repetiu-se o conselho de turma, o tal que é muito pedagógico! E o que aconteceu? O docente da disciplina em causa apresentou-se sem a caderneta e sem quaisquer elementos de avaliação, mesmo sabendo o que estava em causa. Como naquele conselho só uma docente trazia a caderneta, decidiu-se que se subia a nota daquela disciplina e pronto, caso arrumado! Nem estando presente um professor de moral, nem os protestos da colega…nada foi suficiente para o conselho se assumir na sua verdadeira vertente!
Por acaso, a mãe da aluna até nem era daquelas que por aí abundam ainda e não aceitou a decisão, pois o que pretendia era corrigir o que achava ser injusto e não que a filha passasse de ano a qualquer custo!
Repetiu-se a reunião e já nem sei qual o desfecho, nem me interessa isso agora!
Voltando à greve, que sindicatos são estes que, após estas duas semanas de massacre (tenho 3 turmas ainda sem avaliação e já fui convocada pelo menos uma dúzia de vezes para cada turma) vêm agora dizer que talvez haja outras estratégias para chegar aos objetivos? Então arrastaram a classe para a greve sem antes esgotarem as outras estratégias?! Qual o papel dos líderes sindicais afinal?
E o mais doloroso é ver os meus colegas completamente anestesiados e sem se revoltarem contra este sindicalismo anacrónico! Pelo contrário, gerou-se o maniqueísmo dos bons e dos maus e ai de quem puser em causa o politicamente correto!
Já recebi, nestes quinze dias, muitas lições sobre o que é ser solidário, mas esta desta manhã é um mimo. Dizia-me uma colega de outra escola, onde a direcção optou por suspender as reuniões e não por efetuar constantemente convocatórias…dizia ela que está muito solidária com os colegas mais novos, porque não vão chegar ao topo da carreira como ela (até aqui, tudo bem!) … e que está em casa, mas solidária, pois está a fazer trabalhos relacionados com a escola!
Em casa, no conforto do lar, mas solidária!...
Ri-me muito e lembrei-me de uma anedota que uma tia velhinha contava sobre dois pescadores, aflitos no alto mar, em perigo de vida…que fizeram eles? Prometeram que, se conseguissem safar-se, iriam pagar uma promessa – acompanhar a procissão do Senhor dos Passos com um grão-de-bico no sapato.
Tudo correu bem e no dia da procissão lá estavam eles.
A meio da procissão, um compadre sangrava do pé e o outro, caminhava como se nada fosse!
Baixinho, o primeiro, pergunta ao outro: compadre, como consegue caminhar tão bem?
E mostra-lhe o pé a sagrar…
O compadre responde: sabe, quando fiz a promessa referia-me a um grão-de-bico cozido!...
E assim vamos nós, classe tão solidária!...