Autorretrato de Professora JL de 10-1-2012 Provocar Mudanças
Nasci na Madeira, no ano de 1958, quando o regime
salazarista começava a tremer. O tempo e o espaço não determinam, mas moldam!
Desde muito tenra idade persegui a utopia de querer mudar o mundo, de acabar
com a injustiça. Queria seguir Direito, mas cedo percebi que esse não era o meu
caminho. Como tive a felicidade nascer numa família numerosa, comecei a brincar
às escolinhas lá em casa, tendo os meus irmãos como alunos. Percebi que ia ser
professora, mas ainda não sabia que seguiria História. Essa paixão começou a
nascer no Externato de S. Bento, na Ribeira Brava, quando tive o Professor
Sousa e Freitas, um verdadeiro mestre. Com ele a História parecia fácil e
divertida, completamente diferente daquilo que tinha sido até então. Comecei a
ver o lado útil da História e a perceber as suas potencialidades formativas. Ainda
não lia Marc Bloch, mas já sentia que não se podia entender o presente, sem o
relacionar com o passado. Depois, já no Liceu Jaime Moniz, convivi com
excelentes pedagogos, como o saudoso Horácio Bento de Gouveia, grande escritor
e crítico do regime e a recentemente falecida, Maria Aurora Carvalho Homem.
Tive sorte. Aprendi com eles que a Escola deve ser um espaço de cidadania.
Quando acabei o Secundário, em 1975, cumpri o Serviço Cívico Estudantil no
Arquivo Distrital do Funchal, cujo diretor era António Aragão, poeta, pintor,
historiador, homem polémico, irrequieto, inconformado. O nosso convívio de
cerca de um ano deixou-me marcas e consolidou-me a paixão pela História.
Licenciei-me em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Naquela altura os cursos tinham dois ciclos e apostava-se forte na componente
científica. Seguia-se a filosofia de ensinar a pescar, em vez de dar o peixe, o
que hoje, infelizmente, está em regressão. Tive vários Professores que me
marcaram, como Jorge Custódio (Introdução à História: Metodologia e Crítica),
Maria do Rosário Themudo Barata (História Moderna Geral), José Manuel Sobral
(História Contemporânea de Portugal) e António José Saraiva (Cultura
Portuguesa).
Iniciei a minha carreira como professora, no ano de 1981. Casei e tive dois
filhos. Passei por várias escolas e fixei-me na Escola Secundária de Palmela há
vinte e quatro anos. Já tenho como alunos, os filhos de ex-alunos.
Nestas três décadas de docência nunca me arrependi da escolha que fiz, nem
sequer nesta conjuntura difícil, em que a profissão se descredibiliza
constantemente. Os alunos dão-me força para prosseguir e delicio-me a vê-los
crescer. Sinto que educar é provocar mudança e, modéstia aparte, sei que quando
pego numa turma do 10º ano e fico com ela os três anos do Secundário, chegamos
ao fim todos diferentes e todos mais ricos. Não tenho no currículo grandes
projetos, mas tento atuar como o colibri, que, com o seu minúsculo bico, nunca
perde a esperança de contribuir para apagar grandes fogos! A minha pedagogia
passa por acreditar que é sempre possível ajudar cada aluno a tirar de dentro
de si as virtudes que nem desconfia que tem e levar cada um a dar o seu máximo.
Sei que sou privilegiada por lidar praticamente só com alunos que já concluíram
o ensino Básico, mas também é verdade que muitos dos que se inscrevem em
Humanidades são aqueles que andam a fugir das outras áreas, ditas mais
exigentes. Mesmo não sendo verdade, funciona como tal, devido à pressão social
e ao discurso do senso comum, o que dificulta muito a motivação. O que mais me
desgosta como professora é ouvir alguns colegas (felizmente, já poucos!)
dizerem que só sabem ensinar alunos motivados. É como se um médico só se
dedicasse aos sãos!
Acredito que ensinar requer arte, mas também técnica e procurei mais formação
nesta matéria. Assim, frequentei o Mestrado em Supervisão Pedagógica na
Universidade Aberta e descobri uma imensidão de ferramentas que me têm ajudado
muito a melhorar as minhas práticas. Nesta Universidade tenho também exercido
Tutoria on-line em Unidades Curriculares como Ética e Educação e Educação e
Sociedade, o que me tem proporcionado uma troca de saberes e um contato salutar
com professores de todas as áreas científicas e geográficas. Esta riquíssima
experiência fez-me perceber que na sociedade da informação e do conhecimento,
qualquer nível de ensino terá que ter também uma componente virtual, caso
contrário nunca será possível desenvolver uma aprendizagem sólida e atualizada.
Reproduzir saberes feitos, prontos a servir, não prepara ninguém para a vida. É
preciso que a Escola se assuma como motor de mudança e conquiste autonomia para
gerir currículo, em vez de prescrever currículo, apostando no aprofundamento
dos vários níveis de Cidadania. Neste sentido, tenho desenvolvido pequenos
projetos de pesquisa em torno da História Local e sendo Palmela uma Cidade
Educadora, o terreno torna-se ainda mais aliciante. Penso que a investigação
não é apanágio de alguns e, se for realizada com honestidade, pode e deve ser
praticada ao nível das escolas secundárias.
Implemento nas minhas turmas o Portefólio Criativo e Reflexivo, em que cada
aluno vai recolhendo dados sobre aspetos que, devido à pressão do Programa, não
podemos desenvolver no dia-a-dia; no final de cada período, organiza-se uma
série de sessões destinadas a avaliar os resultados das pesquisas e das
reflexões individuais. É muito gratificante ver que, a pretexto do Portefólio,
os alunos começam a interessar-se por todo o género de notícias da atualidade,
entrando numa dinâmica de pesquisa e partilha, interiorizando um novo conceito
de História e percebendo a sua utilidade. Levo os meus alunos a colóquios
universitários e eles percebem que a investigação não pára e que, como qualquer
ciência, a História está sempre em construção.
No âmbito de desafios lançados pela Associação de Professores de História,
envolvi os meus alunos em dois projetos que foram premiados: um sobre Damião de
Góis e outro sobre o Vinte e Cinco de Abril.
Há dois anos participei no Projeto Pestalozzi, uma iniciativa do Conselho da
Europa vocacionada para os Direitos Humanos. Desenvolvi um trabalho sobre os
crimes praticados pela Indonésia, quando da invasão de Timor-Leste e
apresentei-o em Cracóvia. Perante um conjunto de professores de História dos
mais variados países pertencentes ao Conselho da Europa, mostrei que a apatia
da comunidade internacional e os jogos de interesses podem incentivar
genocídios e que só uma forte opinião pública internacional pode evitá-los,
defendendo que a Educação Histórica pode ter um papel crucial na prevenção de
Crimes Contra a Humanidade.
Colaborei, com três entradas, no Dicionário de Educadores Portugueses, dirigido
pelo Professor António Nóvoa, trabalho de referência que reúne 900 biografias
de homens e mulheres que se dedicaram à educação e ao ensino nos séculos XIX e
XX e que permite novas leituras da história do ensino e da educação em
Portugal.
Atualmente, na minha escola, sou representante do Grupo de História e coordeno
o Projeto Parlamento dos Jovens, da responsabilidade da Assembleia da República
e que pretende aprofundar cidadania e contribuir para uma nova visão da
Política.
Também coordeno o Gabinete de Intervenção Disciplinar, criado recentemente com
o objetivo de dar resposta aos crescentes problemas de indisciplina que têm
surgido, à medida que a escola se democratiza.
Sou formadora acreditada pelo CCPFC, mas infelizmente tenho exercido muito
pouco esta atividade. Apercebi-me que ainda estamos na fase traumática de
identificar formação com avaliação e avaliação com classificação. Por outro
lado, a onda tecnocrática dos famosos Quadros Interativos, ao invadir os
centros de formação, limitou o espaço para outros territórios, porventura mais
interessantes. Assim, vou promovendo uns Workshops de vez em quando, vocacionados
para quem não anda à caça de créditos, mas simplesmente acredita que sem
reflexão e partilha, não há uma real progressão.
Penso que ser professor hoje, numa sociedade cada vez mais global, exige uma
postura constantemente reflexiva e só um trabalho verdadeiramente colaborativo
pode ajudar a conjugar as várias dimensões que a profissão exige: ética,
científica e pedagógica. O saber hoje exige muito mais do que debitar. Formar
cidadãos aptos é muito mais do que preparar alunos para exames. Preparar para a
vida ativa é sobretudo preparar jovens que saibam ligar e religar saberes, que
saibam transferir conhecimentos e que não se deixem esmagar pela torrente
informativa que carateriza o século XXI.