segunda-feira, 22 de maio de 2017





O Lions Clube de Palmela realizou ontem, na Biblioteca Municipal, um encontro muito interessante e a minha participação teve como título «Os Estereótipos de Género na Escola». Comecei por clarificar os conceitos de estereótipo e de género, sobretudo porque ainda é muito vulgar pensar-se que todos os estereótipos são negativos e, sobretudo, que os de género vitimizam apenas a mulher, o que não é verdade (pensemos, por exemplo, na falta de formação dos juízes que ainda atribuem mais de 90% da guarda parental às mães, apesar da clareza da lei sobre guarda conjunta e igualdade na responsabilidade parental!).
 Após deixar bem claro que género ultrapassa muito a questão biológica, sendo uma construção cultural e social, fiz uma breve síntese da situação da mulher, desde a Antiguidade até hoje, dando ênfase aos avanços do II pós-guerra. O meu enfoque situou-se na Plataforma de Pequim e nas áreas identificadas, o que acelerou muito a luta pela igualdade. Abordei ainda o conceito de empoderamento, nas duas abordagens mais correntes.
Numa segunda parte, após a comparação entre a situação da mulher portuguesa da Primeira República e a do Estado Novo, analisei a escola no Portugal de hoje, chamando a atenção para o actual conceito de currículo, destacando a importância do currículo oculto e dando vários exemplos concretos. Defendi também o currículo da empatia, que permite desafiar preconceitos, implementar experiências desafiadoras e promover a mudança.
Chamei a atenção para os excelentes trabalhos da CIG (Comissão para a Igualdade de Género) e para o desprezo a que as escolas normalmente votam as suas excelentes sugestões nos seus Guiões adaptados a cada ciclo de ensino.
Fiz a análise de alguns manuais atuais que ainda apresentam marcas de desigualdade e mesmo situações caricatas como exercícios de matemática em que todos os alunos de uma turma são rapazes … como se a coeducação não existisse há décadas ou como se se separasse a educação para os valores da aprendizagem de cada disciplina!...
Na parte final, apresentei as minhas conclusões:
 Não podemos dizer que estamos muito atrasados em relação à média dos outros países europeus. 
 A nossa lei de Bases do Sistema Educativo consigna a coeducação e a igualdade de oportunidades entre os sexos. 
 O currículo formal já mudou.
 Já não temos um sistema genderizado. 
 Mas, na prática, ainda persistem estereótipos de género. 
 A docência está entregue a mulheres, mas as lideranças são masculinas!
 Os próprios nomes das escolas são essencialmente masculinos!
 Os manuais ainda apresentam alguma invisibilidade e assimetria das mulheres.
 Iniciativas soltas em educação não surtem efeitos significativos.
 É essencial trabalhar em rede e no mesmo sentido. 
 A escola tem que ter coragem de remar contar a maré! 
 Há necessidade de intervir precocemente na educação das crianças de modo a contribuir de forma positiva para a construção da identidade de género.
 É urgente que se investa na Educação Familiar/Parental.
  Outro aspeto essencial é a formação de professores, tanto inicial, como contínua. 
 É preciso integrar a dimensão de género na sua formação.
 Fornecer-lhes uma base teórica sólida. 
 Falta formação de professores no sentido de criar sensibilidade para novas práticas e para o uso dos materiais pedagógicos já existentes. 
 Porque… 
 A mudança legislada não resulta por si só…
 Mudar mentalidades é um processo complexo e moroso…


EIS O CONTEÚDO DE ALGUNS DOS PRINCIPAIS SLIDES QUE USEI

¢Apesar do conceito de estereótipo ser relativamente recente, a palavra vem do grego e resulta da soma de stereos e typos, o que se traduz por «impressão sólida».
¢Estereótipos são pressupostos, generalizações, conjuntos bem organizados de crenças.
¢O seu papel nem sempre é negativo, pois os estereótipos podem assumir uma função adaptativa e permitir organizar a complexidade do social.
¢Podem ser apenas um ponto de partida.
¢ E nem todos os estereótipos são negativos:
¢Os africanos têm jeito para a música.

¢¢Os estudos tradicionais das diferenças entre os sexos haviam tentado provar que as características que normalmente se atribuem aos dois sexos derivam de diferenças biológicas.
¢Nos anos 70 do século XX, trabalhos pioneiros como os de Margaret Mead, Simone de Beauvoir e Ann Oakley permitiram clarificar que o género difere do sexo, porque ultrapassa a questão biológica.
¢Como é evidente, Homem e Mulher são biologicamente diferentes, mas isso não os torna desiguais.
¢ A feminilidade e a masculinidade são construções que diferem no espaço e no tempo, em função das especificidades culturais.
¢Trata-se de prescrições normativas e proibitivas de ser e de se comportar.
¢O género atravessa todas as instâncias do social: família, trabalho, relações interpessoais…
¢A estereotipia de género desenvolveu-se de um modo dicotómico, excluindo-se reciprocamente, à semelhança do que ocorre com as diferenças sexuais.
¢Héritier (2002) salienta que o cérebro das mulheres apresenta as mesmas características do cérebro dos homens. Ocupa o mesmo lugar, apresenta as mesmas formas, as mesmas circunvoluções e desempenha as mesmas funções.
¢Mas a inculcação de valores foi eficaz e durou milénios, portanto, é utópico achar que a igualdade plena vai ser atingida para já.
¢Trata-se de uma meta, talvez ainda idílica
¢Lutar contra os estereótipos de género é uma necessidade urgente nas sociedades atuais.
¢Não se trata sequer de uma bandeira ideológica.
¢Ultrapassa, e muito, o feminismo.
É uma questão de direitos humanos e de desenvolvimento económico.
¢Eva tentou Adão…
¢Na Antiguidade, a mulher aparece nos mitos como a causadora do mal…Mito de Pandora: é a mulher que levanta a tampa e a maldade espalha-se pelo mundo.
¢Aristóteles: a mulher é um corpo poroso e imperfeito, um homem que não chegou a ser acabado.
¢Em Roma nem tinha nome pessoal. Adaptava-se o nome do pai…não tem identidade, nem existência. O pai pode forçá-la ao divórcio, mas por conveniência económica, pode vendê-la como escrava, etc..
¢Havia até um tutor legal, por se considerar que a mulher não é suficientemente inteligente para agir no seu próprio interesse.
¢A palavra noiva vem de véu=a que põe o véu, para o usar.
¢Matrimónio, de matrona, a que casa para ser mater família=mãe. A mesmo étimo de maternidade.
¢Ovídeo, Arte de Amar (Livros I, II, III – século I): define a estética feminina e a masculina - técnicas de sedução masculina; conselhos às mulheres sobre penteados, roupas, cosmética.
¢Na Idade Média… provérbios como este «Ao bom e ao mau cavalo, a espora; à boa e à má mulher, um senhor e, de vez em quando, um bastão».
¢S. Tomás de Aquino – século XIII - «A mulher foi criada para ajudar o homem apenas no ato da procriação, porque em todas as outras tarefas o homem encontrará bem melhor apoio fora dela».
¢Mesmo quando se avança algo na dignificação da mulher, é nestes termos: «Se as mulheres não fossem boas e os seus conselhos não fossem considerados inúteis, Deus não as teria criado como ajuda do homem, mas sobretudo, como causa do mal» - Chaucer, filósofo inglês do século XIV.
¢No Renascimento, a beleza deixa de ser temida, como fora na Idade Média.
¢O nu feminino é assumido…até surgem as Virgens do Leite…
¢Mas a beleza exterior era sinal de uma bondade interior…
¢Foi precisamente nesta época que se estruturou a feminilidade: a delicadeza e a ternura em contraste com a potente virilidade masculina:
¢Castiglioni, Cortesão - «Uma mulher não deve, de forma alguma, parecer-se com o homem, na sua conduta, nas suas maneiras, palavras, gestos ou atitudes. Assim como é próprio do homem apresentar um certo ar másculo, de robustez e energia, também é desejável que a mulher mostre uma ternura suave e delicada, dando um toque de doçura feminina a todos os seus movimentos.»
¢O androcentrismo na arte reflete o imaginário das sociedades ocidentais: no Barroco, as Vénus que se olham ao espelho…raramente há homens.
¢Até no tempo do Iluminismo, mesmo os  mais radicais como Rousseau:
¢«As mulheres devem agradar aos homens, ser-lhes úteis, fazer-se amar e honrar por eles; criá-los quando jovens, cuidar deles, quando adultos, aconselhá-los, consolá-los, tornar-lhes a vida agradável e doce, tais são os deveres das mulheres em todas as épocas e o que se deve ensinar-lhes desde a infância» (Emílio, livro V).
¢Em 1888, Renoir dizia que «qualquer mulher artista é simplesmente ridícula»
¢Já no século XX, na Bauhaus, as mulheres lecionavam como auxiliares dos respetivos maridos (mascarou-se com o conceito de casal produtivo) e as que se salientaram foram ostracizadas.
¢Os cursos aprovados não passavam da tecelagem ou, no máximo, design de interiores...Havia mesmo o departamento feminino.
¢Assumia-se que eles eram seres culturais e elas, seres naturais
¢Gropius – O triângulo vermelho como símbolo do masculino/génio e o quadrado azul, matéria, feminilidade…
¢O próprio Surrealismo foi androcentrico – André Breton definiu o Surrealismo como «substantivo masculino» e a mulher aparece como objeto do desejo do homem.
¢Trotula, século XI, textos de medicina tão bons que os historiadores se recusaram a acreditar que eram de uma mulher!
¢Públia Hortênsia de Castro, século XVI, teve que se disfarçar de homem para frequentar a Universidade de Coimbra!
¢Lady Ann Conway, século XVII, escreveu Princípios da Antiga e Moderna Filosofia, mas após a sua morte o nome foi deliberadamente removido da capa e passou a ser entendido como tendo sido escrito por um homem!
¢Catherine Greene, Século XVIII, inventou, construiu e melhorou a máquina descaroçadora de algodão, que tem sido atribuída a Whitney!
¢Miranda Barry, século XIX, teve que se disfarçar de homem para poder estudar medicina em Edimburgo e só se descobriu na hora da sua morte!
¢Rosalind Franklin, já em 1958, investigações sobre a estrutura do ADN permitiram que 3 cientistas continuassem e ganhassem o Nobel, mas o seu nome foi omitido!
¢Sendo o género uma construção, é possível implementar práticas educativas esclarecidas e estratégias promotoras da igualdade de género.
¢O problema é que a educação é um fenómeno complexo.
¢Envolve múltiplos intervenientes.
¢Para educar uma criança é preciso toda a alde¢Implica a socialização primária, que é essencialmente da responsabilidade da família.
¢Na própria gravidez já começa a discriminação/o enxoval, os pontapés vigorosos ou não
¢Os miúdos chegam à escola já com preconceitos.
¢Ouvem músicas como esta de Gabriel o Pensador:
¢ Existem mulheres que são uma beleza / mas quando abrem a boca, hum, que tristeza/ (...) bundinha empinada pra mostrar que é bonita / e a cabeça parafinada pra ficar igual paquita / Loira burra, loira burra, loira burra, loira burra...
¢Na própria escola…bibes, fardas, contos, canções, jogos, desporto, materiais pedagógicos imbuídos de estereótipos de género.
¢Afinal o que é o Currículo?¢ Existem vários Currículos…ou várias camadas…currículo em bolbo
¢Tudo é currículo
¢Até as mensagens afixadas nos corredores, nos pátios, nas salas veiculam estereótipos
¢Currículo Formal e Currículo Real
¢Estamos conscientes do poder do Currículo Oculto?
¢Tudo o que se aprende na escola…por gestos, atitudes, comportamentos…muitas vezes contraditórios com o discurso…
¢Há quem diga que tudo é linguagem, que ensinar qualquer disciplina é um ato linguístico
¢Mesmo o Currículo Formal pode ser lido de modos diversos
¢Prescritivo, rígido, centrado nos conteúdos, dar matéria, avaliar/classificar
¢Desenvolvimento Curricular, Currículo em ação, interativo, dinâmico, em construção, competências, ensinar/aprender
¢Como se trabalha? Há balcanização ou trabalho colaborativo? Estamos conscientes da Colegialidade artificial?
¢debate e reflexão?
¢A CIG (Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género) tem publicado uma série de estudos e fornece às escolas Guiões adaptados a cada ciclo de escolaridade, com sugestões de tarefas e materiais pedagógicos excelentes
¢Usa-se os materiais da CIG?
¢A formação inicial dos professores incorpora os protocolos internacionais?
¢Queremos mesmo os pais na escola?
¢Os pais vão à escola pelos motivos corretos?
¢A nossa escola promove a Educação Parental e Familiar?
¢Participação do pai e da mãe nas diferentes atividades diárias dos filhos
¢Promoção da auto confiança das raparigas e rapazes
¢Cooperação entre rapazes e raparigas no desempenho de diversas atividades
¢Oferta de materiais lúdicos e de outro tipo não diferenciado por sexos
¢Encorajamento das raparigas para a exploração de profissões mais típicas no sexo masculino e o inverso
¢Elogiar as raparigas pela sua audácia a enfrentar desafios e a resolver problemas e elogiar os rapazes pelas suas boas maneiras e pela sua capacidade de organização e de arrumação
¢Valorização da opinião dos rapazes e das raparigas nas decisões familiares
¢Participação das raparigas e dos rapazes em modalidades desportivas variadas
¢Os materiais pedagógicos são agentes poderosos no processo de socialização e formação da identidade, sobretudo os manuais.
¢Portugal tem correspondido aos compromissos internacionais no domínio da igualdade de género, através dos PNI (Planos Nacionais para a Igualdade).
¢Objetivo: sensibilizar editoras e escolas para a certificação de manuais sem representações sexistas.
¢No entanto, um olhar clínico ainda permite encontrar algumas marcas.
¢Daí a necessidade de formação, debate, reflexão e vigilância constante.
¢Mesmo havendo movimentos que defendem a escola neutra, sem transmissão de valores…nunca acontece, pois há interação, diálogo…mesmo que os temas fossem asséticos
¢«A eliminação dos estereótipos de género dos manuais escolares e outros materiais pedagógicos só pode ocorrer quando se verificar que a homens e mulheres, ao sexo feminino e ao sexo masculino, é atribuída e associada a mesma diversidade física e psicológica que é inerente ao ser humano, bem como a mesma diversidade de atividades e esferas de atuação, de funções e níveis de participação e ação que marcam a vida em sociedade». Maria Teresa Alvarez Nunes, 2009).
¢Distribuem-se as referências a ambos os sexos de forma equilibrada?
¢No texto? Títulos e subtítulos? Na imagem? As legendas?
¢Ambos aparecem de forma ativa e passiva?
¢Ambos associados a verbos como: fazer, atuar, decidir, exprimir emoções, reagir, interagir, revelar capacidades cognitivas?
¢Identificam-se ambos com situações de:
¢Domínio/dependência
¢Passividade/atividade
¢Transgressão/norma
¢Liderança/seguidismo.
Resultados de uma análise de Manuais atuais do 1º ciclo:
¢Nas imagens, a família sempre a tradicional.
¢Mulheres fazem bolos, dão banho ao bebé, vão comprar comida…
¢A mãe da Teresa foi comprar eletrodomésticos e o sr. Diogo foi comprar um televisor…mas as imagens referentes à mãe da Teresa são: secador, varinha mágica, aspirador, máquina de sumos, etc.
¢Já aparecem mães trabalhadoras, mas…
¢Profissões como mineiro e pescador sempre no masculino…
¢Nas brincadeiras, aparece uma rapariga à baliza, mas excecionalmente.
¢Até o menino que está em casa e observa quantos carros passam na rua!
¢A menina conta pacotes de leite da despensa…
¢O Diogo e a Andreia registam o estado do tempo…
¢O Tomás partiu um vidro e a professora vai ter que pedir a um vidraceiro…(porque não, a uma empresa vidraceira?!)…
¢A menina ajuda a mãe a fazer sumos e leva a bandeja
¢Faziam pratos femininos, com flores.
¢Até na festa de anos quem parte o bolo é a mãe.
¢As meninas vão às compras sempre com as mulheres da família
¢Nenhum professor (homem) nas dezenas de imagens!