A SALA DE AULA/DIÁRIOS DE UMA SALA DE AULA
Contrariamente ao que tenho
ouvido, não considero que esta obra de Filomena Mónica preste um bom serviço à
educação, ao ensino e aos professores. Admiro e sempre admirei o trabalho da
autora, mas, ela própria insiste em afirmar que não seguiu os passos de uma
investigação científica, pois a amostra não é significativa. E não é!
Li atentamente todos os diários
e, com os meus 33 anos de experiência, sendo 28 deles na mesma escola, sei
identificar cada tipo de registo e de narrativa. Desde aquela clássica lamúria
dos que supostamente não gostam de cargos, mas adoram tê-los, aos que gostariam
muito de só dar aulas, mas têm muitos projetos e, por isso, ficam sem tempo
para o que mais gostam, aos que, por serem diretores de turma, se armam em
papás dos alunos, etc. etc.…
Os bons alunos aparecem quase
sempre como os que já estão motivados e as narrativas são no sentido de que os
não motivados atrapalham. Sim, atrapalham, mas se se tiver consciência de que,
em democracia, motivá-los é tarefa da escola, talvez se trabalhasse de outro
modo. Imaginem, transpondo para o campo da saúde, que o médico achava que tinha
direito a só trabalhar com utentes sãos e os outros só atrapalhavam?!
Por outro lado, MFM revela
incompreensão de certos fenómenos, caindo, por exemplo, no mesmo erro de Nuno
Crato, confundindo Ciências da Educação com certas tendências dentro das
Ciências da Educação, como quem confunde a floresta com uma das suas árvores!
Fala da plataforma moodle com um
desconhecimento total e cai até no caricato, dando a entender que é uma coisa
onde o ministério despeja informação e burocracia! Fala dos exames de História
com alguma distorção e como se a formação para os docentes que classificam
exames não visasse também contribuir para mudarem as suas práticas, ou seja,
parece que durante os três anos do secundário se ensina e se avalia de um modo
e depois, em contexto de exame, surpreendentemente, os professores são convidados
a avaliar de outro modo! E também aqui há exageros e erros, como quando afirma
que, na linha da multiperspetiva científica, se coloca duas fontes com opiniões
diferentes sobre o mesmo assunto (as visões de Álvaro Cunhal e de Mário Soares
sobre certos aspetos do tempo do PREC) e se pede ao aluno que comente! Ora, o
que se pede é que o aluno mostre que os dois políticos têm visões opostas e não
estou a ver qual o mal?!
Sobre a avaliação dos docentes
havia muito, muito a aprofundar … tal como sobre a suposta fraca autonomia das
escolas, as burocracias, as imensas e demoradas reuniões, o modo como se
escolhe os manuais, os cursos profissionais e o modo como as escolas optam por
certos cursos e não por outros, o desprezo pelas Artes e pelas Humanidades, o
ostracismo a que votam os elementos mais dinâmicos, enfim, os chamados poderes
invisíveis e os lobies instalados.
Enfim, um livro com muitas
virtudes, nomeadamente, a de pôr toda a gente a refletir sobre o dia-a-dia dos
professores, o que é sempre muito salutar e nós, professores, só temos que lhe
agradecer, pois tem toda uma máquina mediática a divulgar tudo o que escreve … mas,
feitas as contas, continuo a achar que traz uma visão catastrofista do ensino
democrático.
Quem não está dentro do sistema
fica assustado e, se tiver filhos em idade escolar, vai a correr tirá-los da
escola pública e matriculá-los no ensino privado!