sábado, 26 de abril de 2014

A SALA DE AULA/DIÁRIOS DE UMA SALA DE AULA

Contrariamente ao que tenho ouvido, não considero que esta obra de Filomena Mónica preste um bom serviço à educação, ao ensino e aos professores. Admiro e sempre admirei o trabalho da autora, mas, ela própria insiste em afirmar que não seguiu os passos de uma investigação científica, pois a amostra não é significativa. E não é!
Li atentamente todos os diários e, com os meus 33 anos de experiência, sendo 28 deles na mesma escola, sei identificar cada tipo de registo e de narrativa. Desde aquela clássica lamúria dos que supostamente não gostam de cargos, mas adoram tê-los, aos que gostariam muito de só dar aulas, mas têm muitos projetos e, por isso, ficam sem tempo para o que mais gostam, aos que, por serem diretores de turma, se armam em papás dos alunos, etc. etc.…
Os bons alunos aparecem quase sempre como os que já estão motivados e as narrativas são no sentido de que os não motivados atrapalham. Sim, atrapalham, mas se se tiver consciência de que, em democracia, motivá-los é tarefa da escola, talvez se trabalhasse de outro modo. Imaginem, transpondo para o campo da saúde, que o médico achava que tinha direito a só trabalhar com utentes sãos e os outros só atrapalhavam?!
Por outro lado, MFM revela incompreensão de certos fenómenos, caindo, por exemplo, no mesmo erro de Nuno Crato, confundindo Ciências da Educação com certas tendências dentro das Ciências da Educação, como quem confunde a floresta com uma das suas árvores!
 Fala da plataforma moodle com um desconhecimento total e cai até no caricato, dando a entender que é uma coisa onde o ministério despeja informação e burocracia! Fala dos exames de História com alguma distorção e como se a formação para os docentes que classificam exames não visasse também contribuir para mudarem as suas práticas, ou seja, parece que durante os três anos do secundário se ensina e se avalia de um modo e depois, em contexto de exame, surpreendentemente, os professores são convidados a avaliar de outro modo! E também aqui há exageros e erros, como quando afirma que, na linha da multiperspetiva científica, se coloca duas fontes com opiniões diferentes sobre o mesmo assunto (as visões de Álvaro Cunhal e de Mário Soares sobre certos aspetos do tempo do PREC) e se pede ao aluno que comente! Ora, o que se pede é que o aluno mostre que os dois políticos têm visões opostas e não estou a ver qual o mal?!
Sobre a avaliação dos docentes havia muito, muito a aprofundar … tal como sobre a suposta fraca autonomia das escolas, as burocracias, as imensas e demoradas reuniões, o modo como se escolhe os manuais, os cursos profissionais e o modo como as escolas optam por certos cursos e não por outros, o desprezo pelas Artes e pelas Humanidades, o ostracismo a que votam os elementos mais dinâmicos, enfim, os chamados poderes invisíveis e os lobies instalados.
Enfim, um livro com muitas virtudes, nomeadamente, a de pôr toda a gente a refletir sobre o dia-a-dia dos professores, o que é sempre muito salutar e nós, professores, só temos que lhe agradecer, pois tem toda uma máquina mediática a divulgar tudo o que escreve … mas, feitas as contas, continuo a achar que traz uma visão catastrofista do ensino democrático.
Quem não está dentro do sistema fica assustado e, se tiver filhos em idade escolar, vai a correr tirá-los da escola pública e matriculá-los no ensino privado!