DA
SUPERVISÃO PEDAGÓGICA À AVALIAÇÃO DE PROFESSORES
Odília
Gontardo Freitas
RESUMO:
Neste trabalho
aborda-se a problemática da Supervisão Pedagógica e a sua articulação com o
complexo processo da Avaliação do Desempenho Docente. Podemos dizer que a nossa conclusão vai no sentido de que
as várias tentativas de implementação da ADD no nosso país não tiveram eficácia devido à conjugação
de vários fatores, destacando-se o facto de se ter separado a avaliação dos
professores da auto-avaliação da Escola como um todo e do ciclo da Supervisão
Pedagógica. Como não temos uma tradição de cultura avaliativa, estes conceitos,
relativamente recentes, não surtiram o efeito desejado também por ter falhado
uma formação atempada e devidamente acautelada de todos os agentes.
PALAVRAS-CHAVE: Supervisão
Pedagógica, Avaliação, Liderança, Desempenho Docente.
INTRODUÇÃO
Numa primeira parte desta síntese tentaremos
apresentar os principais aspetos inerentes ao paradigma emergente da Supervisão
Pedagógica, que consideramos a base a partir da qual a Escola deve
organizar-se. Depois clarificamos o conceito de avaliação apresentando as
várias gerações avaliativas, de modo a que, pela sua diacronia, nos apropriemos
de uma correta conceção do que é avaliar no século XXI. No terceiro capítulo
sublinharemos a importância das lideranças na eficácia da ADD.
A análise dos suportes jurídicos do atual modelo de
ADD esteve sempre presente e serve de base à nossa reflexão. A nossa conclusão pretende estabelecer a ponte entre a Supervisão
Pedagógica e a Avaliação do Desempenho Docente, tentando perceber as
fragilidades de todo o processo, o porquê da sua fraca eficácia até hoje e
ousando mesmo aventar perspetivas futuras.
1.
DA SUPERVISÃO À SUPERVISÃO PEDAGÓGICA
Nas Sociedades atuais, caracterizadas pela evolução
acelerada e confrontadas com a excessiva especialização, já não é possível, em
qualquer ramo do saber, um só indivíduo dominar o conhecimento. Por outro lado,
a interação teoria/prática torna-se cada vez mais difícil, pois, se, por um
lado, a pós-modernidade valoriza o saber-fazer, também reconhece que sem uma
boa base teórica não poderemos progredir. Pensamos que é neste contexto que a
Supervisão se torna cada vez mais urgente e premente. Mas o que é afinal a
Supervisão?
Sem nos restringirmos ao Ensino propriamente dito, podemos dizer
que a Supervisão é um processo através do qual alguém com mais experiência e
mais informação orienta alguém que se encontra num patamar menos maduro, tanto
em termos profissionais como pessoais. Assim, aplica-se a todas as profissões.
Porém, se se entender que a Educação é um processo de formação que decorre ao
longo de toda a vida, então podemos dizer que a Supervisão é algo inerente à
Educação.
Se o conceito de Supervisão não é tão novo assim,
convém clarificar que hoje está a emergir um novo paradigma no sentido da
orientação e não da repressão, o que se prende também com o conceito de
avaliação, o qual assume cada vez mais uma índole formativa e formadora, numa
escola que se quer reflexiva e sempre aberta à comunidade e onde a questão dos
valores tem também um papel determinante, funcionando o Supervisor como uma
espécie de «líder de comunidades aprendentes» (Alarcão e Tavares, 2003). A
Supervisão assim encarada, a Supervisão Pedagógica (SP), desenrola-se em três
níveis: o do supervisor, o do formando e o do aluno, mas, para que seja
adequada e eficaz, deve funcionar de um modo ecológico e interativo,
correspondendo a um ciclo, cujas fases não são estanques. No entanto, por
motivos de sistematização, é usual adotar a divisão tripartida do multifacetado
processo de Supervisão Pedagógica: observação, orientação e avaliação.
A
fase da observação corresponde ao primeiro grande momento e tem como objetivo a
recolha de dados para depois interpretar. Mas aqui surgem logo várias questões
de caráter epistemológico. Se a ciência em geral já há algum tempo perdeu a
ilusão da objetividade, as ciências humanas e sociais, tendo como objeto o
Homem em sociedade, sempre tiveram consciência da sua subjetividade e
assumem-na. É extremamente importante munir-se de instrumentos de observação
adequados e eficazes. Queremos efetuar uma observação apenas quantitativa ou
vamos privilegiar a vertente qualitativa? Vamos olhar essencialmente para
aquilo que se repete com o objetivo de elaborar séries, ou vamos também dar
atenção ao peculiar? Vamos usar o método indutivo ou vamos efetuar um percurso
dedutivo? Vamos usar os meios audiovisuais? E estamos cientes de que podem
inibir os atores? Queremos uma observação muito ou pouco estruturada? Direta ou
indireta? Somos sensíveis à diversidade de formatos de instrumentos que podem
auxiliar-nos nesta tarefa de recolha de dados? A observação direta, por
exemplo, abarca uma panóplia de meios como descrições diárias, respostas de
incidentes curtos, registo contínuo, amostragem temporal, amostragem de
acontecimentos, listas de verificação ou de controlo e escalas de estimação. É
preciso tomar decisões ao longo de todo o processo de observação.
O
que se vai observar? Quando? Como? Observar é muito mais que ver, é percecionar
e este ato é um processo mental complexo que envolve valores. Observar «É um ver focalizado, intencional e armado
pela teoria. Observa-se para se conhecer e olha-se ou vê-se sem propósito ou
atenção especial» (Trindade, 2007). O observador organiza subjetivamente as
suas perceções de acordo com as suas referências teóricas, com a sua própria
história de vida. Ele tem que se colocar numa atitude colaborativa, deixando
bem clara a sua conceção de SP e não permitindo que atuem barreiras de
comunicação, tais como: Máscaras (falta de autenticidade das partes
envolvidas), Divagações (inibidores da capacidade de atenção e/ou antecipação
ao que se acha que o outro vai dizer) e Filtros (valores e gostos pessoais que
minem a captação). A observação de aulas apresenta, segundo Rosales (1992),
algumas debilidades que podem induzir em erros de avaliação, como sejam, o
efeito exercido sobre o supervisionado, pelo facto de se sentir observado; o
caráter limitado no tempo de observação, a partir do qual se fazem
generalizações; a existência de possíveis desvios de observação por parte do
observador e o facto de não se tomar em consideração aspetos não observados,
subjacentes à conduta do professor na aula.
O
supervisor pedagógico ao lidar com um grupo de supervisionados tem que ser
capaz de lidar com todas estas variáveis, sem preconceitos nem modelos
estáticos, elaborando uma estratégia global de observação que responda aos
objetivos gerais e específicos traçados. Todas as perspetivas são úteis e podem
enriquecer a observação. Para que o observador seja capaz de minimizar os
obstáculos e reúna critérios de credibilidade, validade, fidelidade e alguma
objetividade tem que ter formação, pois a perceção também se educa e tem que
treinar competências de observação, o que implica uma atitude investigativa e
de constante adaptação a cada situação concreta e em cada fase concreta,
articulando teoria(s) e prática(s), criando permanentemente novas ferramentas e
antecipando situações, numa atitude investigativa.
A
orientação é um dos momentos da SP com enfoque no desenvolvimento profissional
e é quando a ética é posta à prova, pois o desempenho profissional nunca deve
ser desligado do desenvolvimento pessoal e social e, em educação, essa
interdependência é a base de toda a relação pedagógica. Segundo Rosales (1992), «Perfila-se um novo papel para
o supervisor das práticas docentes do futuro professor, considerando-o como um
profissional (formador de formadores) altamente preparado, tanto na dimensão
científico-pedagógica teórico-prática como também no âmbito das relações
humanas. O supervisor deverá ser capaz de estimular a capacidade de reflexão do
professor em formação sobre diversas dimensões do ensino, sobre a sua própria atuação
profissional, sobre os processos mentais e a repercussão que possam ter na atividade
prática e sobre a influência do contexto na atividade didática». Todos os
cenários são possíveis desde que o
engenho e a arte do supervisor pedagógico permitam uma espécie de paradigma
integrador inspirado nos modelos desenvolvimental-reflexivos, especialmente na
abordagem de Glickman. Assim, a ADD deve ter um caráter
essencialmente formativo, pois a sua vertente classificativa empobrece o
processo, correndo o risco de se tornar um fim em si, despertar competição e
provocar efeitos colaterais, como tem acontecido.
2.
A AVALIAÇÃO COMO INTERAÇÃO COMPLEXA
A avaliação é um conceito polissémico e multirreferencial
que está presente em qualquer esfera da atividade humana e, em educação,
especialmente. Cada época tem pedido à escola papéis diferentes e, por
inerência, a avaliação tem passado por várias fases. A primeira geração avaliativa
acreditava na medida exata e nem questionava o papel do avaliador ou a
possibilidade de erro; a segunda geração fascinou-se com o traçar de objetivos
e, apesar de já admitir uma componente formativa, no final, ainda pretender
selecionar e hierarquizar, medindo a diferença entre os objetivos traçados e os
resultados; a terceira geração avança no sentido de valorizar os contextos, mas
avaliar continua a ser julgar. Só muito recentemente, a chamada quarta geração
avaliativa trouxe para a ribalta a preocupação com o relacional, o contexto, a
intencionalidade recíproca, a pluralidade de abordagens, a adequação, a eficácia,
sendo a avaliação uma ação feita por pessoas para pessoas, envolvendo todos os
parceiros, vendo-a como um processo socialmente construído que condiciona a
vida de todos os envolvidos.
Se esta conceção ainda não triunfou em Portugal na
nossa relação professor-aluno, como poderia já estar a dar frutos entre
docentes? Um professor não é também resultado das suas experiências enquanto
aluno? Saberá colocar-se na perspetiva do colega que avalia?
A avaliação tem múltiplas finalidades, não só sociais
e pedagógicas, como políticas e está demonstrado que o modo como cada docente a
perceciona interfere significativamente nas suas práticas. Normalmente, a
avaliação de docentes tem três propósitos: o desenvolvimento profissional, o
desenvolvimento organizacional e a prestação de contas com vista à progressão
na carreira, o que tem sido, erradamente, enfatizado, tanto pelos poderes
políticos como pelos media. É
necessário promover formação no sentido da interiorização de uma verdadeira
cultura avaliativa que conduza a uma autêntica mudança de mentalidades e que a
avaliação assuma a sua vertente mais rica que é a avaliação formativa. Mas
nesta fase de transição, como lidar com o modelo de ADD que temos? Sabemos que
a nossa legislação junta no mesmo processo vertentes inconciliáveis e atribui à
mesma pessoa a tarefa de avaliar e de classificar colegas. Como superar este
constrangimento?
3. A
IMPORTÂNCIA DAS LIDERANÇAS
Pensamos que a solução está numa boa e esclarecida
liderança. Mas o que é um bom líder? O que significa liderar com eficácia e
eficiência? Como poderemos transformar os avaliadores (interno e externo) em
autênticos líderes?
Liderar significa conduzir e saber apagar-se gradualmente,
dando significado ao trabalho e criando condições para o crescimento conjunto,
gerando intuitivamente um sentimento de pertença.
Assim, todos os diretores de
escola são líderes?
Formal e legalmente são, mas nem sempre se comportam como
tal. A liderança partilhada exige que se reconheça as lideranças intermédias e
que se trabalhe colaborativamente, escolhendo a dedo cada pessoa adequada a
cada cargo e estimulando a criatividade. Os nossos líderes ainda estão muito agarrados
ao paradigma burocrático-administrativo e nem sempre ousam inovar. Não só não
valorizam os professores mais dinâmicos, como até os desvalorizam,
considerando-os atrapalhos. Mudar implica passar por fases experimentalistas
que no curto prazo não trazem resultados e a pressão do resultado imediato tem
inquinado o processo de implementação de projetos de SP.
Mais importante do que o perfil do líder é a sua
postura, a sua liderança e esta deve ser democrática e motivacional com
intuitos de transformar, onde as motivações intrínsecas devem predominar e ser
valorizadas. No entanto, como refere Ricardo (2014) «todos os estilos de
liderança podem ser úteis e eficazes dependendo de toda uma conjuntura e de
certas particularidades (…) proporcionando a todos, num percurso sustentável,
um maior desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional.»
CONCLUSÃO
A
avaliação provoca sempre tensões, mas a nossa cultura avaliativa (ou a falta
dela!) tem revelado uma contradição entre a aceitação da avaliação dos alunos
(independentemente do paradigma em causa) e a resistência à avaliação do
sistema, da escola e dos docentes, não passando esta, muitas vezes, de uma mera
declaração de intenções. As mudanças
precisam de tempo e devem ser negociadas, não podem ser só mudanças legisladas, como até agora. A investigação em ciências da
educação tem demonstrado que a capacidade para a docência evolui ao longo da
vida dos professores, em função de uma multiplicidade de fatores, em que se
entrelaçam elementos da sua vida pessoal e profissional. A eficácia pedagógica
e a qualidade do ensino dependem cada vez mais do estabelecimento de redes de
aprendizagem, a partir da própria escola como centro de investigação, onde o
trabalho grupal e coletivo é imprescindível, tendo a Supervisão Pedagógica um
papel fundamental. Apesar das exigências legislativas, no terreno ainda se
ignora o perfil do supervisor pedagógico, designando-se coordenadores em função
da idade, talvez por medo da mudança e pela pressão de resultados imediatos, o
que em educação não é possível.
Pensamos que a dissociação da ADD como se fosse algo
que vale por si e não como parte de um processo de auto-avaliação da própria
escola ditou a situação a que chegámos. Por outro lado, a inexistência de um
pacto de regime e a constante sujeição da pasta da educação a ditames
político-partidários tem provocado uma instabilidade que não ajuda nada na
urgente mudança de mentalidades. A formação atempada e sólida tem falhado e tem
sido dirigida para fins pragmáticos e imediatistas.
No entanto, é nossa convicção que seremos capazes de
aprender com os erros e conseguiremos ultrapassar os constrangimentos, até
porque está a chegar às escolas uma geração bem preparada em termos teóricos.
Falta apenas convencer a geração mais velha a trabalhar colaborativamente,
implementando uma supervisão horizontal e fazer pequenas adaptações
legislativas no sentido de facilitar a liderança dos mais novos em vez de
bloquear a sua participação. Uma ADD eficaz tem que ser aberta, justa, global,
inclusiva, benéfica para todas as partes, eficaz e praticável. Deve ser solução
e não parte do problema. Deve contribuir para a qualidade e não gerar conflitos
estéreis.
BIBLIOGRAFIA
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I e Tavares, J (2003). Supervisão da Prática
Pedagógica – Uma perspetiva de Desenvolvimento e Aprendizagem. Coimbra:
Livraria Almedina.
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Fernandes, Domingos (2006). Para uma Teoria da Avaliação Formativa. Revista
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Ferreira, Carlos Alberto (2007). A Avaliação no Quotidiano da Sala de Aula. Porto:
Porto Editora.
Oliveira- Formosinho, J. (org.)
(2002). A Supervisão na Formação de
Professores II – da organização à pessoa. Porto: Porto Editora.
Ricardo, Luís (2014). O Líder e a Liderança. Lisboa: Chiado
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Ricardo, Luís (2015). Os Líderes Intermédios da Escola no Papel de
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Rosales, Carlos (1992). Avaliar é Refletir sobre o Ensino. Rio
Tinto: Edições ASA.
Trindade, Vítor Manuel (2007). Práticas de Formação: Métodos e Técnicas de
Observação, Orientação e Avaliação (em Supervisão). Lisboa: Universidade
Aberta.