sábado, 1 de agosto de 2020

IDADISMO, TECNICISMO E PANDEMIA

É curioso notar que a pandemia veio acentuar o idadismo de que sofre esta sociedade, há algumas décadas. Contrariamente ao que se passa nas sociedades ancestrais e sábias, que exaltam os mais velhos, o chamado mundo ocidental, embalado numa onda de que a tecnologia é um Deus ex machine, endeusa os jovens e a isto junta-se a mentalidade sindicalista que pretende reformar rapidamente quem tem mais de 60 anos, para dar empregos aos mais novos. Imagine-se, com o aumento da esperança de vida, ser velho aos 60 anos!

Claro que, como tenho 62 e sou professora, com muito gosto e cheia de vontade de continuar, fico chocada com esta pressão!

E o pior é que associam tudo isto à pandemia e à necessidade de se apostar no ensino tecnológico! Sim, ensino tecnológico mesmo!

No discurso, alguns destes sabidões ainda têm alguns escrúpulos e lá vão dizendo que ensinar exige pedagogia, apesar de se apelar sobretudo à tecnologia!

Outros, nem se dão a esse trabalho do politicamente correto e dizem mesmo que o aluno aprende é com os professores novos, que só estes compreendem as novas gerações e, além do mais, são peritos em novas tecnologias!

Só falta alegarem que têm mais habilitações, só porque se mudou a terminologia e hoje, em Portugal, chama-se licenciatura ao 1º ciclo e mestrado, ao 2º!

Assisti a dezenas de Webinares, de Editoras e de empresas mascaradas de ensino universitário, que querem vender cursos a jovens professores, ávidos de uma imensa variedade de plataformas, que proporcionem as melhores videoconferências e os melhores testes autocorrigíveis, de modo a que, na crença de que mais é mais, possam fascinar os alunos, impressionando-os com tanta modernice!

Havia colegas que perdiam os primeiros 10 minutos a dizerem «bom dia» ou «boa tarde» e a confessarem o seu fascínio por tais oportunidades e, ao longo de cada Webinar, recorriam ao chat – quais alunos alienados com a necessidade de comunicarem sincronamente! – para agradecerem ao orador, elogiando «novidades» como «o aluno deve ter sempre um feed back atempado» e outras verdades de Lineu que nada têm a ver com o ensino@distância, mas, tão só, com ensinar e aprender, antes e depois das novas tecnologias!

E este é apenas um dos exemplos que, quanto a mim, comprovam quão úteis podemos ainda ser os ditos professores velhos!...

Até o Expresso de hoje (E, 7-8) faz a apologia do Idadismo. 

Talvez os jovens jornalistas achem bem os velhos e bons jornalistas estarem na prateleira há décadas!

 


segunda-feira, 27 de julho de 2020


 A MINHA EXPERIÊNCIA COVID DE E@D

As Editoras entraram em ação e, num misto de informação e propaganda, fomos cilindrados com uma avalanche de Webinares, que promoviam as aulas síncronas como o expoente máximo do E@D.
Apregoaram-se dezenas de ferramentas e multiplicaram-se as videoconferências, atulhando os alunos de TPC e de aulas síncronas até à exaustão, tendendo a reproduzir online os vícios das aulas presenciais, de caráter essencialmente expositivo.
Acreditando que menos é mais, optei pelo mais simples e mais à mão: apenas usei o Google Meet e a plataforma Moodle, paga pela escola há muito, mas subaproveitada! Quais as ferramentas Moodle que usei? Apenas três: Glossário, Trabalho e Fórum.
No primeiro dia de cada semana, respeitando o horário letivo (para evitar sobreposição de disciplinas), convidava os alunos para uma breve videoconferência, na qual anunciava o Tema da Semana, divulgava a SAV (Sala de Aula Virtual), despistava eventuais dúvidas e tentava perceber qual o estado de espírito de cada um. A partir daqui, apenas interferia nos fóruns semanais, muito discretamente, de modo a que os alunos pudessem trabalhar autonomamente e ao seu ritmo.
Encarreguei os Delegados de Turma de exercerem uma espécie de Tutoria, zelando pela participação de todos e desenvolvendo esforços no sentido de que nenhum colega ficasse para trás. Quando se aproximava o último dia de cada semana, eram os delegados que faziam a ronda e contabilizavam as participações, puxando pelos ausentes.
Cada aluno tinha que fazer as suas leituras e pesquisas (orientadas e fixadas pormenorizadamente na SAV) sobre o tema da semana, de modo a que conseguisse responder a um Questionário/Trabalho,  postar uma entrada no Glossário (que era imediatamente avaliada e, eventualmente, reformulada) e duas interações no Fórum. No último dia da semana, facultava as respostas ao Questionário, para que cada aluno se autoavaliasse.
A Avaliação era feita semanalmente e publicada na plataforma, em termos qualitativos. Usei o email para situações mais pessoais, pois o feedback ia sendo dado no Fórum.
Posso concluir que, de um modo simples e acessível, os meus alunos aprenderam e apropriaram-se dos conceitos com mais profundidade do que no ensino presencial, pois o tempo que se poupou de aulas e deslocações foi compensado com muito mais pesquisas e trabalho colaborativo nos Fóruns semanais, onde se criou um ambiente de salutar concorrência. Foi visível a partilha e o efeito de contágio, em que até os mais acomodados e com postura mais passiva nas aulas presenciais e/ou nas videoconferências, acabaram por alinhar, entusiasticamente, nas discussões assíncronas.
E, curiosamente, os que optaram por fazer o Exame Nacional, saíram de lá muito satisfeitos!
Sei que tive condições privilegiadas, sobretudo por ter alunos com acesso a computador e net, mas, se a comunidade for capaz de superar os constrangimentos tecnológicos, nós só temos que apostar nos aspetos pedagógicos e, de futuro, conciliar o ensino presencial com uma forte componente virtual.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Autorretrato de Professora JL de 10-1-2012 Provocar Mudanças

Nasci na Madeira, no ano de 1958, quando o regime salazarista começava a tremer. O tempo e o espaço não determinam, mas moldam!
Desde muito tenra idade persegui a utopia de querer mudar o mundo, de acabar com a injustiça. Queria seguir Direito, mas cedo percebi que esse não era o meu caminho. Como tive a felicidade nascer numa família numerosa, comecei a brincar às escolinhas lá em casa, tendo os meus irmãos como alunos. Percebi que ia ser professora, mas ainda não sabia que seguiria História. Essa paixão começou a nascer no Externato de S. Bento, na Ribeira Brava, quando tive o Professor Sousa e Freitas, um verdadeiro mestre. Com ele a História parecia fácil e divertida, completamente diferente daquilo que tinha sido até então. Comecei a ver o lado útil da História e a perceber as suas potencialidades formativas. Ainda não lia Marc Bloch, mas já sentia que não se podia entender o presente, sem o relacionar com o passado. Depois, já no Liceu Jaime Moniz, convivi com excelentes pedagogos, como o saudoso Horácio Bento de Gouveia, grande escritor e crítico do regime e a recentemente falecida, Maria Aurora Carvalho Homem. Tive sorte. Aprendi com eles que a Escola deve ser um espaço de cidadania.
Quando acabei o Secundário, em 1975, cumpri o Serviço Cívico Estudantil no Arquivo Distrital do Funchal, cujo diretor era António Aragão, poeta, pintor, historiador, homem polémico, irrequieto, inconformado. O nosso convívio de cerca de um ano deixou-me marcas e consolidou-me a paixão pela História.
Licenciei-me em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Naquela altura os cursos tinham dois ciclos e apostava-se forte na componente científica. Seguia-se a filosofia de ensinar a pescar, em vez de dar o peixe, o que hoje, infelizmente, está em regressão. Tive vários Professores que me marcaram, como Jorge Custódio (Introdução à História: Metodologia e Crítica), Maria do Rosário Themudo Barata (História Moderna Geral), José Manuel Sobral (História Contemporânea de Portugal) e António José Saraiva (Cultura Portuguesa).
Iniciei a minha carreira como professora, no ano de 1981. Casei e tive dois filhos. Passei por várias escolas e fixei-me na Escola Secundária de Palmela há vinte e quatro anos. Já tenho como alunos, os filhos de ex-alunos.
Nestas três décadas de docência nunca me arrependi da escolha que fiz, nem sequer nesta conjuntura difícil, em que a profissão se descredibiliza constantemente. Os alunos dão-me força para prosseguir e delicio-me a vê-los crescer. Sinto que educar é provocar mudança e, modéstia aparte, sei que quando pego numa turma do 10º ano e fico com ela os três anos do Secundário, chegamos ao fim todos diferentes e todos mais ricos. Não tenho no currículo grandes projetos, mas tento atuar como o colibri, que, com o seu minúsculo bico, nunca perde a esperança de contribuir para apagar grandes fogos! A minha pedagogia passa por acreditar que é sempre possível ajudar cada aluno a tirar de dentro de si as virtudes que nem desconfia que tem e levar cada um a dar o seu máximo. Sei que sou privilegiada por lidar praticamente só com alunos que já concluíram o ensino Básico, mas também é verdade que muitos dos que se inscrevem em Humanidades são aqueles que andam a fugir das outras áreas, ditas mais exigentes. Mesmo não sendo verdade, funciona como tal, devido à pressão social e ao discurso do senso comum, o que dificulta muito a motivação. O que mais me desgosta como professora é ouvir alguns colegas (felizmente, já poucos!) dizerem que só sabem ensinar alunos motivados. É como se um médico só se dedicasse aos sãos!
Acredito que ensinar requer arte, mas também técnica e procurei mais formação nesta matéria. Assim, frequentei o Mestrado em Supervisão Pedagógica na Universidade Aberta e descobri uma imensidão de ferramentas que me têm ajudado muito a melhorar as minhas práticas. Nesta Universidade tenho também exercido Tutoria on-line em Unidades Curriculares como Ética e Educação e Educação e Sociedade, o que me tem proporcionado uma troca de saberes e um contato salutar com professores de todas as áreas científicas e geográficas. Esta riquíssima experiência fez-me perceber que na sociedade da informação e do conhecimento, qualquer nível de ensino terá que ter também uma componente virtual, caso contrário nunca será possível desenvolver uma aprendizagem sólida e atualizada.
Reproduzir saberes feitos, prontos a servir, não prepara ninguém para a vida. É preciso que a Escola se assuma como motor de mudança e conquiste autonomia para gerir currículo, em vez de prescrever currículo, apostando no aprofundamento dos vários níveis de Cidadania. Neste sentido, tenho desenvolvido pequenos projetos de pesquisa em torno da História Local e sendo Palmela uma Cidade Educadora, o terreno torna-se ainda mais aliciante. Penso que a investigação não é apanágio de alguns e, se for realizada com honestidade, pode e deve ser praticada ao nível das escolas secundárias.
Implemento nas minhas turmas o Portefólio Criativo e Reflexivo, em que cada aluno vai recolhendo dados sobre aspetos que, devido à pressão do Programa, não podemos desenvolver no dia-a-dia; no final de cada período, organiza-se uma série de sessões destinadas a avaliar os resultados das pesquisas e das reflexões individuais. É muito gratificante ver que, a pretexto do Portefólio, os alunos começam a interessar-se por todo o género de notícias da atualidade, entrando numa dinâmica de pesquisa e partilha, interiorizando um novo conceito de História e percebendo a sua utilidade. Levo os meus alunos a colóquios universitários e eles percebem que a investigação não pára e que, como qualquer ciência, a História está sempre em construção.
No âmbito de desafios lançados pela Associação de Professores de História, envolvi os meus alunos em dois projetos que foram premiados: um sobre Damião de Góis e outro sobre o Vinte e Cinco de Abril.
Há dois anos participei no Projeto Pestalozzi, uma iniciativa do Conselho da Europa vocacionada para os Direitos Humanos. Desenvolvi um trabalho sobre os crimes praticados pela Indonésia, quando da invasão de Timor-Leste e apresentei-o em Cracóvia. Perante um conjunto de professores de História dos mais variados países pertencentes ao Conselho da Europa, mostrei que a apatia da comunidade internacional e os jogos de interesses podem incentivar genocídios e que só uma forte opinião pública internacional pode evitá-los, defendendo que a Educação Histórica pode ter um papel crucial na prevenção de Crimes Contra a Humanidade.
Colaborei, com três entradas, no Dicionário de Educadores Portugueses, dirigido pelo Professor António Nóvoa, trabalho de referência que reúne 900 biografias de homens e mulheres que se dedicaram à educação e ao ensino nos séculos XIX e XX e que permite novas leituras da história do ensino e da educação em Portugal.
Atualmente, na minha escola, sou representante do Grupo de História e coordeno o Projeto Parlamento dos Jovens, da responsabilidade da Assembleia da República e que pretende aprofundar cidadania e contribuir para uma nova visão da Política.
Também coordeno o Gabinete de Intervenção Disciplinar, criado recentemente com o objetivo de dar resposta aos crescentes problemas de indisciplina que têm surgido, à medida que a escola se democratiza.
Sou formadora acreditada pelo CCPFC, mas infelizmente tenho exercido muito pouco esta atividade. Apercebi-me que ainda estamos na fase traumática de identificar formação com avaliação e avaliação com classificação. Por outro lado, a onda tecnocrática dos famosos Quadros Interativos, ao invadir os centros de formação, limitou o espaço para outros territórios, porventura mais interessantes. Assim, vou promovendo uns Workshops de vez em quando, vocacionados para quem não anda à caça de créditos, mas simplesmente acredita que sem reflexão e partilha, não há uma real progressão.
Penso que ser professor hoje, numa sociedade cada vez mais global, exige uma postura constantemente reflexiva e só um trabalho verdadeiramente colaborativo pode ajudar a conjugar as várias dimensões que a profissão exige: ética, científica e pedagógica. O saber hoje exige muito mais do que debitar. Formar cidadãos aptos é muito mais do que preparar alunos para exames. Preparar para a vida ativa é sobretudo preparar jovens que saibam ligar e religar saberes, que saibam transferir conhecimentos e que não se deixem esmagar pela torrente informativa que carateriza o século XXI. 


ALGUMAS OBRAS PARA RELER NA ATUAL CONJUNTURA




terça-feira, 31 de março de 2020


A PANDEMIA E AS MUDANÇAS NA PRÁTICA LETIVA



A História sempre comprovou que, após uma crise, a mudança triunfa e, mesmo os mais céticos, acabam por ter que se render.
Sinto, com satisfação, que esta pandemia, apesar de todos os perigos e incómodos que trouxe, desmistificou, em tempo record, os anti corpos contra o ensino a distância e aqueles que o viam como parente menor, mudaram o discurso e a prática.
No entanto, pressinto que ainda predomina a ideia tecnicista e parece que a metodologia e a pedagogia continuam muito baseadas na aula expositiva e síncrona.
Ora, mesmo sem pandemia, isto seria grave. Com a situação atual, em que famílias inteiras estão em casa, muitas vezes sem espaços adequados e sem computadores para todos, seria catastrófico. Seria desigual e anti democrático, além de anti pedagógico.
O ensino a distância só trará benefícios se for muito planeado e se, tanto os professores, como os alunos mudarem os seus hábitos: aqueles, abandonando a aula conferência, planificando aulas assíncronas e dinâmicas, focadas no aprender, no pesquisar, no auto aprender, atendendo às especificidades e às dúvidas de cada aluno; estes, organizando o seu estudo como um processo gradual, em que o chamado TPC seja substituído pelo estudar as aulas e seguir as diretrizes diárias dos professores, sem acumular «matéria» para estudar de empreitada para os testes. Todos vamos descobrir as potencialidades de outros meios de avaliação.
Os encarregados de educação também terão que mudar de hábitos e, em vez de perguntarem aos seus educandos se já fizeram os TPC, perguntem: já cumpriste as dicas das aulas de hoje? Já pesquisaste sobre os temas abordados hoje? Colocaste dúvidas nos fóruns? Interagiste com os colegas e com os professores sobre os assuntos em estudo? E, em vez de ajudarem, devem incentivá-los a trabalharem autonomamente. Em vez de encherem a boca com testes, datas de testes, idas a explicadores (que tenderão a desaparecer, por se tornarem desnecessários), devem mudar o discurso para o dia a dia, focando-o mais no aprender do que no avaliar/classificar.
Só assim poderemos aproveitar esta conjuntura para acelerar uma mudança que teimava em atrasar-se. Só assim a conjuntura pode dar lugar a uma mudança na estrutura.